Quem quer mandioca?

Havia na cidade do interior um casal muito festeiro, ostentavam a riqueza que não tinham e viviam fazendo dívidas no banco. Seus nomes estavam sempre no vermelho, quando não era empréstimo para carro novo, era para uma "casa melhor". Amor na relação? Talvez um dia tivesse, mas tudo era muito conveniente. Ela era muito controladora e ele muito submisso. A verdadeira dona de casa era ele, cuidava melhor dos filhos que ela que sempre trabalhou fora. Mas, ainda assim, ostentavam a imagem da riqueza e choravam a pobreza ante aos parentes.

Aconteceu que um caixeiro viajante chegou nessa cidade do interior. Com muito boa lábia, atraiu as atenções das mulheres mais velhas da cidade, sendo um amante fugaz de algumas. Era conhecido como "Mandioca", já que ele era feio, mas derretia na boca de qualquer uma. Suas amantes diziam que ele sabia como se fazia uma boa "mandiocada"... 

Um dia, a esposa foi fazer compras no lugar do marido que estava cuidando dos filhos. Olhando o caixeiro na feira, perguntou:

"O que o senhor vende aqui?"

"De tudo, minha senhora. Alimentos e bebidas, brinquedos de todos os tipos, eletrônicos e eletrodomésticos. O que a senhora procura?"

Ela procurou entre as coisas em exposição, mas de repente veio-lhe o desejo:

"Tem mandioca?"

Ele pegou rapidamente aquele alimento marrom grande e grosso, quase fálico, e mostrou à cliente que esperava por ele que remexia nos caixotes de comida.

"Mas que mandiocão!" - disse a esposa espantada.

"Pode ter certeza: não vai só te satisfazer, como vai derreter na sua boca..."

Acabou que a esposa festeira caiu na lábia de Mandioca, traindo o marido submisso que não aguentou: fez do chifre berrante e tocava para si mesmo por onde passava. A cidade inteira já comentava: Mandioca estava sendo sustentado e o marido, humilhado, foi-se embora tocando o berrante pelos caminhos da cidade:

"É culpa da mandioca! Eu não tenho mandiocão..."

Ana Luiza Pereira

Voltando para onde tudo começou

Eu não sou mais a mesma que era quando comecei a andar entre as linhas de cadernos. Muitos anos se passaram, muitos parágrafos se formaram das linhas da minha história, linhas que foram turvadas por lágrimas, rabiscadas com a tinta da caneta ou apagadas com uma borracha ou corretivo. 

Contudo, eu sou uma boa filha pródiga e visito com nostalgia meu ponto de partida. Pego meus primeiros textos e os releio com uma admiração como quem se admira de seu filho mais velho. Eram todos textos infantis, tanto de tema quanto de pensamento. Pensava erroneamente ser o único ser naquela idade que sofria tantas dores nesse mundo, mas descobri que há tantos outros que sofrem tantas dores mais.

Observo, de longe, o local de start de minha escrita: está tão mais irreconhecível quanto eu. Muitas primaveras e verões se passaram, o local foi reformado, enquanto eu tento esconder meus primeiros cabelos brancos. Ali aconteceram tantas coisas, alegrias e tristezas, e foi ali que eu recebi meu primeiro e mais importante conselho: "escreva, escreva para saber denominar seus sentimentos... Escreva". E, assim, não mais parei.

Escondo a lágrima com um sorriso, não é que eu queira retornar ao passado e reviver aquilo tudo novamente, mas guardo todas essas lembranças com um pouco de amor, pois sem elas não seria quem sou. Dizem que isso é sinal de maturidade e experiência, mas não sou o ser mais maturo e nem mais o experiente. Retornar ao ponto de partida me demonstra o quanto eu ainda necessito crescer. A verdade é que visito frequentemente esse ponto para analisar o que seria de mim sem ele e o que será de mim a partir de hoje.

Olhar com esse distanciamento maduro e sem o desejo de "poderia ter sido diferente" me diz que eu finalmente aceitei quem sou, aceito minhas dores e feridas e aceito que eu posso mudar a partir de hoje, sem me prender ao chão que me atraía. Eu não tombo mais; tropeço, mas não caio. E tudo com uma simples visita para onde tudo começou...

Ana Luiza Pereira

In my tear

 I see the blood in my hands
I see the blame in my soul
I see my fist fighting
The war that I never will

I could be the same
I could be cold
But I choice be another one
Changing my mode

The voices of my pride screams
My sadness and my darkness means
My solitude is not the only
(Something inside of me is note the only)
My angry is not the only
(My feelings is not the only)

I could be the same
I could be cold
But I choice be another one
Changing my mode

The light of stars are shining
Someone call
Who is my tourniquet?
God, please, bless me.
Every souls are lonely
Who is my tourniquet?

I could be the same
I could be cold
But I choice be another one
Changing my mode

Someone save me from my own darkness
How could I say thank you?
In my own darkness
Happiness never existed

Ana Luiza Pereira
Feito no dia 12 de junho de 2012.

Meu primeiro emprego

           A verdade é que não faz muito tempo que chorei. Chorei pensando que não haveria um futuro reservado a mim. "Ora, logo você? Sempre tão otimista e pensando isso?" - diriam. Sim. Também sou passível a ter meus momentos ruins e ter pensamentos tolos, sou tão humana quanto qualquer um. Pensei que o que consideram "sucesso" (ter um emprego e ser boa no que faz) não seria para mim. Perguntei até para meu noivo, mas ele não sabia responder, só me consolar e pedir que eu tivesse esperança. Dormi chorando durante a madrugada, desolada o bastante por não possuir as respostas. Dormi após uma longa conversa com o Deus de amor no qual acredito, pedindo-lhe que me desse paciência e juízo para esperar por esse "sucesso".

        Parece que foi providência... No dia seguinte, um conhecido, o qual eu trabalhei junto, me perguntou se poderia me indicar para uma vaga, agradeci-lhe respondendo que sim. Contudo, minha esperança durante a quarentena foi drenada, sentia estar pisando em ovos que se quebrariam se eu parasse. Em menos de dez minutos recebi uma ligação de uma diretora de escola, após, uma mensagem da coordenadora pedagógica desta mesma escola. Tinha uma entrevista! Em dois dias teria que levar meu currículo com um uma aula preparada para a entrevista.

          Foram dois dias incomuns: oscilava entre a excitação e a ansiedade. Minha primeira entrevista depois de séculos de quarentena! Já estava feliz o bastante por estar com uma entrevista, mas não queria de verdade ter minha esperança sugada pelo "não", então "não crie expectativas" - é a primeira regra. Mas já era! Já havia criado expectativas e planejamentos. Estudei com afinco para passar na prova-aula. O tema não era desconhecido: redação para o ensino médio. Agradeci muito por ter feito estágio com isso e ter livros que me ajudam nesse tipo de preparação. Aula preparada, plano de aula também - faltava ministrá-la.

            Como a entrevista seria na escola e a escola fica a uma distância média de 30 km de minha casa e a condução de manhã cedo é lotada, estamos em época de pandemia e isolamento, minha família inteira se mobilizou: meu pai me ofereceu levar e queria aproveitar para passear com a minha mãe e minha sobrinha de chaveirinho. Fomos. Estava nervosa, tremia que nem vara verde, mas engoli o nervosismo na espera. Cheguei uma hora antes do marcado, mas nada muito além e nem aquém. Rezei durante o trajeto inteiro para me acalmar, mas ainda tremia de nervoso: primeira aula em meses, normal ficar nervosa. Chegando, conheci a diretora que me entregou uma prova e uma redação de estilo e tema livres, escrevi sobre as qualidades do bom professor. A prova tinha apenas cinco questões, quatro eram objetivas, eram muito básicas para quem se acostumou a dar questões assim para preparatório de concurso. Mas ainda faltava a aula...

            Devia esperar a coordenadora para dar a aula e saber se eu estaria ou não dentro partindo do tom de sua resposta. Eram quase 10 horas quando ela chegou, nos apresentamos e conversamos. Mostrei-lhe meu currículo e contei onde morava e o que fazia. demorou um pouco antes do início da aula, mas quando comecei, desembestei a falar. Não conseguia perceber que o computador o qual apresentava possuía tecla para "youtube" logo embaixo da seta para o lado direito, apertava-o quase sempre sem querer por não ter o costume. No meio da aula, ela falou: você está dentro. E contou também algumas outras coisas que influirão no meu trabalho ali. Por conta disso, não dei a aula toda, mas mostrei o que ela mais queria saber sobre o tema. "Esta é a sua aula da semana que vem..." - disse a coordenadora a mim. Controlei-me para não gritar e nem pular e apenas respondi um "Ok". 

            Saindo da sala, ela começou a apresentar-me como a futura colega de trabalho de todos que via, conversou com a diretora e se despediu. A diretora conversou comigo sobre questões formais, pegou certos dados e me passou alguns. Saí do colégio com um sorriso enorme por baixo da máscara. Entrei no carro que meus pais me esperavam gritando "CONSEGUI MEU PRIMEIRO EMPREGO" e todos comemoravam. Contei a todos: noivo, irmãos, amigos... Finalmente saí da inércia. Queria chorar, dessa vez, de alegria! Não chorei, poderia manchar a maquiagem e minha blusa... Pedi uma comemoração e fomos almoçar fora. À tarde, dormi o sono dos justos, um sono que eu não tinha há muito tempo. O que eu quis dizer nessa história? É que mesmo quando se perde a esperança, ela não se perde de você.

Ana Luiza Pereira