Cotas

No meu sangue não há cotas.

Sou misturada de mil raças e ainda tem espaço para mais umas,
Miscigenada desde os índios e colonizadores imigrantes desta terra.

Tenho o sangue de tanta gente 
que a percentagem de cada lugar seria quase a mesma,
Me caracterizando ainda mais brasileira

Tenho o sangue do mundo e ninguém tem o sangue igual ao meu.
Quando eu tiver descendentes, ainda assim, o sangue não seria igual...
Será um sangue mais misturado, 
miscigenado, 
mais brasileiro.

No meu sangue não há cotas, 
mas há sangue.
Sangue dos verdadeiros donos desta terra:
Todos massacrados,
torturados,
estuprados.
Meus cabelos iguais à índia que teve que casar com um colonizador,
à força "do amor".
Meu sangue me caracteriza filha
de uma nação onde a madeira que deu o nome de seu país
tem a mesma cor da pele dos verdadeiros donos desta terra.

Meu sangue também tem senzala e casa de engenho.
Também tem o som abafado dos tambores
e banquetes em casas de fazenda.

Meu sangue não há cotas, 
mas tem história para contar...
História escrita com o próprio sangue
de pessoas que poderiam ser da família, um dia.
Sangue de presos e torturados,
silenciados
e sangue de torturadores com as mãos no fuzil sujas de sangue.

Meu sangue não há cotas
e tem mais história de imigração 
que as páginas de livros de história.
Minha pele não é branca, mas é a cor da pele que morreu de fome,
morreu de guerra,
morreu no sol.
Vislumbrou uma oportunidade de tentar ser feliz em outra terra 
e tentou.
Minha pele tem a cor de quem trabalhou desde pequeno no sol
e tem mãos calejadas e grossas.

Meu sangue é de imigrantes
de vários países colonizadores
e de países colonizados,
sofridos,
misturados.

Meu sangue não há cotas
e, se tivesse, 
eu não seria filha do Brasil.

Ana Luiza Pereira

Imigrantes

Sou barro, venho dele e volto para ele
Carrego a marca da emigração
E para a imigração, vou voltar...

Ana Luiza Pereira

Realismo

O realismo do corpo
A cara pensativa
A pele arrepiada
Os pelos à mostra
O sangue no rosto
O vívido olhar de raiva
E o pensamento de quem sabe o que estar sozinho

Tudo isso representado em esculturas
Que parecem mais humanas que nós
Mais vívidas e com mais histórias para contar

Por que, afinal, o que define o ser além do real?
Do toque
Da história
Da experiência e vivência
Do amor
O que nos falta em amor, estátuas como essas a representam

Nós somos a amostra da falta da arte
E elas meras espectadoras de nossa decadência
Isso é o realismo
Ou melhor, a merda da realidade que vivemos. 

Ana Luiza Pereira

(II)

Deitei-me e cobri-me. Tinha a tola intensão de exercitar minha respiração e dormir. Pus uma coleção de músicas clássicas no piano e comecei.

Für Elise, Beethoven. E meus pensamentos já foram longe junto com o ar que encheu meus pulmões. Ao soltar esse ar lentamente, via imagens, boas lembranças de minha infância.

Rondo alla turca, Mozart. Pica-pau e Pernalonga invadem as lembranças junto com os dedos dela deslizando num tecladinho. Ainda tento controlar a respiração nesse exercício.

Nutcracker - Waltz of flowers, Tchaikovsky. Desabei. Debulhei-me em lágrimas de saudade da minha infância, ela tocando aquele tecladinho, eu vendo e admirando. Ela tentando me ensinar e eu apenas fazendo pose. Ela tocando e eu dançando... que lembranças boas! Senti muitas saudades dela. Sinto falta da sua presença todos os dias e chorei ali com tantas lembranças emanando daquelas músicas.

Antes que eu desmaiasse de cansaço por chorar, eu falei com ela, ao menos tentei. Em voz soluçante, disse o quanto a amo e sinto sua falta. Então, dormi. E finalmente, acordei no dia seguinte um pouco melhor.

Ana Luiza Pereira

(I)

Estou em frangalhos. Destruí-me até o último átomo do meu ser. Catá-los será exaustivo, mas não tenho condições para isso. Desconstrução e reconstrução são ações básicas do ser humano com a vida e consigo mesmo.

Quanto mais falam para não me importar, mais me importo; para relaxar, mais me estresso; para me aquietar, mais me mexo. Sou contraditória no meu íntimo e controladora comigo mesma.

Tenho planos, quanto menos consigo visualizá-los, mais desespero eu entro. Então, me destruo e fico em frangalhos. Resta de mim apenas frangalhos, pedacinhos mínimos que se desfazem a qualquer toque.

O que necessito para melhorar? Carinho me melhora, mas não é a cura. A cura reside em mim. Preciso achá-la mais uma vez para me reerguer e seguir em frente. Até lá: respire, apenas respire.

Ana Luiza Pereira

As lágrimas da chuva

Quem nunca chorou num dia de chuva?
A chuva cai lavando suas lágrimas e tristezas...
O frio te abraça, envolve...
Diz que está tudo bem, já que ninguém percebe que você não está.
Parece que o universo está entendendo sua dor
E chora com você.

Tenta te abraçar da maneira que sabe,
Consola de maneira gentil.
Vento são palavras,
A chuva lágrimas,
O frio seu abraço...

O universo é o amigo que você sempre tem nas horas mais sós.
E quando ele chora com você,
A solidão faz sentido.
Te torna amiga, companheira, 
Pois ela faz parte do seu universo agora.

Ana Luiza Pereira

O meu lugar

O meu lugar...
Onde eu devo estar
e viver minha vocação
com toda intenção
de feliz estar,
um bom trabalho prestar
e me completar...

Meu lugar eu não sei...
E, por isso, procurei.
E estou ainda a procurar...
Onde devo estar?
No tempo, parei.
Perdida fiquei
e chorei...

Meu lugar, meu lugar...
Angústia sinto,
e não minto
ao dizer que não sei onde está.
Vivo a procurar
e meu medo é nunca encontrar
esse maldito lugar
onde eu sei que devo estar.

Ana Luiza Pereira

Um dia apático

Acordei
Mas nem levantei
Pro teto olhei
O ventilador eu vi
Pássaros cantando ouvi
Apenas dor senti
Lembranças vieram
Felizes eram
Mas apenas chorei
E nem levantei
De dor desmaiei
Pesadelos sonhei
Desgosto senti
E numa tristeza vivi
De novo acordei
A esperança que prezei
Esvai
Dela me despedi
E de novo chorei
Na cama que nem me levantei

Ana Luiza Pereira

Pior raça

Conversando outro dia com certas pessoas sobre violência e jogos violentos, percebo o quanto culpabilizam um jogo, que é nada mais e nada menos que uma válvula de escape da realidade que vivemos, por certas ações e escolhas do homem. Contudo, fazemos sempre a ação errada: achamos um fator para culpar e não fazemos a pergunta do que levou uma pessoa agir violentamente. Com certeza, a resposta está mais enraizada do que a simples ação de imitar um jogo.

A verdade é que vivemos numa sociedade cada vez mais doente e que adoece seus membros: numa família não se prega mais o amor e o respeito; há pessoas que nascem se sentindo um aborto, se culpam por terem nascido por causa da falta de afeto dos parentes. A depressão existe, sempre existiu na sociedade, mas agora está cada vez mais forte, pois a solidão e o egoísmo está nos ferindo até não aguentarmos mais. Sempre enxergamos o "eu" e nunca o outro. Quando o outro é assunto de nossas conversas, são sempre de formas mesquinhas. Vivemos numa época de valores perdidos e, por isso, a ética já foi pelos ares.

Parece até piada, mas pensando no que culpamos para retirar a culpa do ser humano, me faz crer que sou a pior raça que existe: "Gamer? O videogame só tem violência! Rockeira? Rock só fala do diabo! Otaku? Quem assiste animes japoneses tem depressão! Joga RPG? Não tem amigos!" Ah, peraí! Os problemas que eu possuo não tem nada a ver com os gostos que possuo e as atitudes que tomo são relevantes de acordo com a gravidade que encaro meus problemas. Por favor, entendam: se um dia eu matar alguém, com certeza, é porque na minha cabeça eu tive um bom motivo e a culpa é inteira e exclusivamente minha e não do que eu faço para escapar da realidade que me machuca ou não. Obrigada!

Ana Luiza Pereira

Amor e preconceito

Quando falamos de amor, geralmente se imagina algo entre casal de sexos diferentes: homem e mulher. Contudo, não é de hoje que vemos demonstrações e ouvimos histórias de amor lindas de casais do mesmo sexo. Ouvimos a todo momento dos mais velhos que esse tipo de casal não é natural ou "normal", mas quem decide o que é natural senão Deus? Na própria natureza que Deus, dito maravilhoso e perfeito, há casos de casais animais homossexuais, peixes, mamíferos... Em todo o Reino Animalia, há ao menos um caso documentado de casais homossexuais, algumas espécies conseguiram evoluir para a autofecundação porque não há poucos animais do outro sexo para que possam manter viva a espécie.

Deixando a questão religiosa de lado, por que há preconceito? Ouve-se muito também a desculpa que ninguém é obrigado a ver um casal, seja homossexual ou não, se pegando. Contudo, um casal homossexual de mãos dadas é visto como a coisa mais horrenda do mundo, porém, um casal heterossexual andando de mãos dadas é tido como normal.

Creio que quando falamos de amor é algo transcendental, transcende as questões de cor, religião e sexo. Amor é a verdade maior do universo e enquanto não aceitarmos que o amor é o que vale e as questões de cor, religião e sexo, a sociedade não vai para frente.

Ana Luiza Pereira

Envelhecer com você

Querido amor,

Queria que palavras pudessem mensurar o que sinto, mas não sou capaz de expressá-las a não ser com o simples "eu te amo". Ações? Minhas ações podem ser contradizentes, mesmo que a intenção seja pura, simples e boa. Resolvi, então, voltar às minhas raízes e escrever-lhe esta carta pública de aniversário.

Mais um ano que passamos deu aniversário juntos e já fizemos de praticamente tudo para comemorar juntos essa data. Já fiz, inclusive, você ficar extremamente envergonhado num restaurante ao pedir que os garçons cantassem parabéns para você, e não me arrependo. Já te enrolei para que sua mãe fizesse uma festa surpresa... foram muitas lembranças e muitos presentes: uns dados por causa de sua praticidade e outros por causa do seu desejo.

Esse ano, infelizmente, minha imaginação está meia escassa e não sei bem o que fazer nessa data para demonstrar que te amo e te quero bem nessa data que marca o seu envelhecimento. O presente já te dei e foi bom ter te dado antes, pois tenho certeza que outro não te agradaria tanto. A festa desse ano você que planejou, mas já vimos que o destino ama lhe pregar peças e vamos ter que decidir o que fazer na última hora.

Contudo, minha intenção ao escrever-lhe não é falar sobre lembranças, presentes e festas, mas sobre o envelhecer. Dizem que com o envelhecimento vem a sabedoria, não sei dizer se está mais sábio hoje que ontem, mas com certeza está com o coração mais belo. O que posso lhe afirmar é que com o envelhecimento, vem a construção de um amor indestrutível. 

Estamos um pelo o outro e a cada dia consigo sonhar um pouquinho mais com nossa velhice juntos. Uma vez, conversando sobre isso na cozinha de sua casa, percebi que algumas coisas nesses nossos devaneios sobre o futuro têm  suas características peculiares: um casal de filhos gêmeos (apesar de você duvidar, creio que ambos sonharem com isso seja um sinal), uma sala cheia de videogames, Netflix e Crunchroll e a gente feliz. Nosso futuro não será fácil, você sabe disso e eu também, ambos temos sonhos diferentes, mas também temos um ao outro, somos a fortaleza e o pilar um do outro, quero ser sempre sua mulher e também quero que você seja sempre meu homem.

Eu te amo! Casa algum dia comigo?

Ana Luiza Pereira 

Comunicado das entidades

Tudo parede para sempre quando se perde a fé. Estás presa ao agora e não consegue alimentar teu espírito para conseguir crer. Sabes o que vai acontecer, dizias sobre isso até agora pouco, escolhes se quer ou não que isso aconteças contigo tal qual vimos. Não estás louca, mas perdida e não consegues ver os resultados porque tens os olhos enegrecidos. Eleves teus espírito para abrir teus olhos.

Acontecerá de um jeito ou de outro, acontecerá como já sabes se creres que virá.

Ele está guardado conosco e virá quando tiver que vir. Ela tem mais liberdade e mais maturidade que ele, ele mal sabe falar para saber se quer conversar com a mãe. Mas saiba que logo ele falará nos teus sonhos e tu te lembrarás de suas palavras.

Porque ele precisa crescer para saber o que quer. Paulo e teu filho são iguais, não têm medo de ti, mas precisam crescer e se entenderem para conseguirem saber o que querem. São imaturos, teimosos e temem a própria felicidade que os esperam.

Seria bom se ela voltasse a fazer feitiços e magias. Não sei se já a viu fazer alguma, mas funciona na hora. Só ela pode fazer por nós, quanto a ti, ofereças as tuas orações. Ela também foi a maior bruxa que pisou por essas terras. Tudo o que ela quer, basta apenas desejar que ela tem. (P.S.: ela pode mudar destinos com seu querer.)

Acenda uma vela e eleve o espírito. Faça o desejo e ofereças o que sabe. Ambas façam isso. O amor de ambas e o futuro será garantido ao creres e o que desejares acontecerá.

Como rezas? Como sentes mais perto de Oxum e Iemanjá? Faça isso e sinta a paz que já fará a sua parte.

Não precisas do dinheiro. Iansã será feita. Ela vive na pele as dores de sua orixá. Passar por isso é essencial, pois são as dores para que ela possa parir Iansã na sua cabeça.

Ela vai comprar, mas não precisas se endividar tanto. Usa metade para Iansã de tua amiga e o resto tente livrar-te das dívidas que te afligirão quando a tormenta do amor passar. Não precisas morrer se sabes o que acontecerá.

Precisamos partir, o corpo está mal e não suportará mais tanto tempo. Tenha fé.

Ana Luiza Pereira
Texto escrito há 3 anos atrás

Motivos para noivar

       Se hoje sou perguntada sobre meus motivos para casar, acho que a primeira coisa que responderia seria cansaço. Veja bem, a vida adulta é rodeada de rotinas e coisas cansativas, e listarei algumas aqui que são os meus motivos:
       Primeiro: o cansaço familiar. É cansativo viver na casa de seus pais, tendo uma relação particularmente indefinível entre a toxicidade e o saudável, mais cansativo ainda é aturar as perguntas e piadas... "Quando se casam?" "Vejo você cuidando do seu pai quando envelhecer assim..." "To vendo que vai se tornar a tia dos gatos..." Vendo somente por esse ângulo, o casamento representa uma fuga da toxicidade familiar e pode ser que, no futuro, eu acabe caindo numa cama de gato por causa dessas palavras que agora escrevo e não saiba mais como me libertar, mas também é difícil viver o meu tempo quando as pessoas ensinam e cobram o tempo delas e saber conciliar para agradar e evitar brigas é cansativo.
            Segundo: o cansaço da espera. Talvez, para mim, esse seja o pior. Sou uma aventureira, gosto de correr riscos e contar histórias agitadas e empolgantes, difícil para mim falar sobre a espera. São quase 6 anos esperando um possível noivado que devia ter saído há 2 anos atrás por causa de uma promessa. Irrita ter dado um ultimato para que seja cumprida uma promessa que não fiz só para não ser mais enrolada com desculpas da faculdade e da vida difícil. Vejo as pessoas ao meu redor até mais novas que eu casadas e com família formada, não que me importe muito com elas, mas a pergunta "quando será a minha vez?" vem à cabeça quando vejo fotos. Quero planejar muito bem minha vida e, sei que requer tempo, mas 6 anos esperando um noivado é dose.
           Esses motivos parecem fracos e extremamente impertinentes para quem vê de fora, não escapo do seu julgamento mesmo não citando esses motivos bestas, mas para quem vive a situação sofre constantes incômodos por causa desses dois tipos de cansaço.
           Veja bem, quero registrar meu maior motivo para noivar e casar aqui: eu o amo, quero cultivar esse amor e o nosso relacionamento para um patamar mais elevado, quero compartilhar nossas vidas, coisas, decisões e escolhas a cada momento com ele e esse é o meu único maior motivo de dizer sim, a única diferença é que quero logo. Parece até um pouco de ansiedade e depois desse texto todo, você deve estar pensando que nada disso representa bons motivos para o casamento, mas são os motivos que me adoecem e, por isso, são motivos bastante relevantes para mim.

Ana Luiza Pereira