Medo da morte
O que se fazer quando se tem medo? É difícil responder essa pergunta sem recorrer à resposta científica: ou corre ou se paralisa. Paralisar-se de medo e fingir-se de morto é uma tática cruel se pensarmos bem, já que o medo que nos paralisou é o medo da morte. Fugir, dar com sebo nas canelas, correr sem olhar para trás também não é uma das melhores táticas, já que estamos apenas adiando nosso pretensioso fim.
Afinal, quem não possui medo da morte? Quem não paralisou ou correu diante das diversas formas que a morte encontra para nos encarar? Dos animais mais irracionais aos humanos mais inteligentes, todos pensam em como prolongar a vida e suas amarguras. Criogenia, remédios, procedimentos médicos, medicina oriental - são todas formas de prolongamento de nossa dor.
Bem, o que eu quero dizer com todo esse papo fúnebre de vida e morte? Eu quero dizer que eu tenho medo. Medo de encarar a morte diante do luto que enfrento. Medo de ser da próxima pessoa na fila de Zé Maria. Eu não suporto a dor da perda e tenho medo de encarar a morte.
Mas como enfrentar um medo constante de um sentimento tão abstrato e uma certeza tão clara (a morte é o fim do ciclo de uma vida)? Fácil, continue vivendo. Viva um dia de cada vez, sinta na pele o sol e a chuva que renova o ciclo da terra, resolva cada dia um problema por vez... Viva cada instante de forma única e não desperdice seu tempo com coisas supérfluas. Cada dia é um dia novo e a morte não pode nos parar até chegarmos ao nosso fim.
Vá em paz, tia...
Há alguns anos, presenciei ao sepultamento de um dos meus tios-avô. Ele sempre falou pouco, era comedido e eu sempre o vi como uma figura altiva e de respeito. Mas não havia em si uma proximidade, o carinho que me levou ali era pela minha tia, sua esposa e irmã do meu avô, que seguiu o velório todo sentada ao lado do caixão rezando o terço em silêncio.
Lembro-me da capela (a mesma de hoje), da sala, do caixão aberto e de nós conversando sobre o tio Ruy enquanto alguém cantava "Peixe Vivo" ao lado do caixão. Lembro de comentar como minha tia Aracy começou a lembrar minha falecida avó, em seu silêncio, oração e feição.
Minhas lembranças, então, foram mais para o passado; quando, aos 6 anos, a mesma tia fez minha roupa de coroinha com a bainha especialmente grande para que eu pudesse crescer e só fazer ajustes no tamanho. Lembrei de como ela me chamava, docinho de coco, e de como ela brigava bastante comigo por não visitá-la sempre. Lembrei das orações de novena de natal em sua casa e das suas plantinhas no quintal que ela regava com muito carinho.
Lembrei... e o que mais marcou foi o exemplo. O exemplo da mulher forte que ela foi. O exemplo de conseguir ser fortaleza com silêncio e oração diante de tanta dor que a vida lhe dava.
Hoje, eu dei adeus a essa mulher. Adeus não, mas um até logo. Porque eu acredito que um dia iremos nos ver de novo e ela vai novamente me agraciar com suas histórias e exemplos. Vá em paz, Tia Aracy.
Ana Luiza Pereira
Enlutada
Segunda e minha cabeça já amanheceu cheia
Dei de cara com o chão antes que o sol raiasse
Meu instinto dizia que a semana seria incomum
E foi...
Dois tios, de primeiro e segundo grau.
Um, uma senhora com seus 90 anos que abraçou a morte como velha amiga.
Outro, um senhor acima de 70, com a cabeça tomada pela falta de lembranças e o estômago pelo câncer.
Escrevo, pois acho que não conseguirei me despedir...
Escrevo, pois acho que não irei aos seus enterros...
A responsabilidade de um adulto me impede de me despedir, seja em vida ou em morte.
Sinto-me frustrada, pois eu também quero isso.
Impondo minha vontade, viro uma grande pedra no sapato
De outras pessoas que querem que eu assuma as responsabilidades de um adulto.
Prefiro dormir...
Não é um sono dos justo,
É um sono de chateação, um sono de quem não quer chorar por isso.
Mas, ainda assim, eu choro, como estou chorando agora...
Choro, chateada e enlutada, por não saber dizer adeus
E por não poder dizer adeus na hora certa.
Ana Luiza Pereira